Aliado da saúde, sentimento de esperança pode ser estimulado no dia a dia

Quando recebeu, aos 21 anos, o diagnóstico de um tumor no estômago que já estava em estágio avançado, Monielle Barbosa da Silva, de imediato, passou a conviver com um caleidoscópio de emoções. A partir do instante em que recebeu a notícia do câncer, ela precisou lidar e administrar sensações por vezes conflitantes. Ao mesmo tempo em que sentia medo e apreensão, apegava-se cada vez mais à esperança, que emergiu desde os primeiros segundos após a sentença e, entre altos e baixos, tornou-se uma potente aliada durante todo o tratamento oncológico. “No início, foi muito difícil. Eu vivia internada e sentia muitas dores. Havia perdido peso, não conseguia me alimentar bem. Pesquisando, soube que as chances de cura eram de 5%”, comenta, reconhecendo ter ficado aterrorizada, mas sem jamais se resignar.

Monielle precisou retirar partes do estômago e do esôfago e seguiu com o tratamento, a que respondeu bem. Dois anos depois, aos 23, ela descobriu um nódulo na mama. “Eu já conhecia a doença, então reagi positivamente. O que mais me pegou, dessa vez, foi a queda de cabelo. Apesar disso, nunca deixei de acreditar. Estou no final do tratamento e decidi, junto com a equipe médica, fazer a mastectomia completa. Não tenho dúvida de que, além de ter contado com a ajuda de profissionais excelentes, ter sido esperançosa foi fundamental para que conseguisse superar a doença”, afirma a mineira de 24 anos, que fez todo o acompanhamento no Hospital de Amor, especializado no tratamento e na prevenção de câncer com sede em Barretos, em São Paulo.

As impressões de Monielle encontram eco no que dizem pesquisas e na experiência clínica de profissionais da saúde, que atestam: a esperança é um fator significativo para o bem-estar e para o sucesso de tratamentos de médio e longo prazo, como os oncológicos. Não que essa emoção, por si, tenha poderes curativos. O que ocorre, na verdade, é que pessoas que possuem uma perspectiva de futuro costumam aderir de forma mais efetiva aos procedimentos propostos. Uma constatação que reforça a necessidade de cuidado dos profissionais da saúde ao conduzirem conversas com pacientes que possuem doenças consideradas graves. “Com 30 anos de exercício da profissão, noto que a forma como damos a notícia é fundamental. Se o médico é pessimista, faz uma abordagem desfavorável, a tendência é de uma evolução desfavorável. Mas, se transmite a informação de forma assertiva, mas com delicadeza e trazendo uma perspectiva de resolução, o retorno será melhor”, comenta Enaldo Melo de Lima, oncologista clínico e coordenador médico do Hospital Integrado do Câncer da rede Mater Dei.

De acordo com o especialista, ao empoderar os pacientes, deixando-os psicologicamente mais confortáveis e estimulando que nutram esperança, é possível perceber um crescente interesse e a adoção de uma postura mais participativa. Neste caso, a taxa de abandono e de irregularidade é menor. Lima alerta ainda que, muitas vezes, informações que minam a fé em relação ao futuro são infundadas ou desatualizadas. “Doenças como o câncer ainda são cercadas de estigma, lidas como sentença de morte muitas vezes. Mas não é bem assim. A ciência evoluiu absurdamente nos últimos anos, especialmente na década mais recente. Pacientes que até pouco tempo atrás tinham tempo de sobrevida muito curto, hoje têm um quadro completamente diferente. Por isso, é necessário muito cuidado em cada caso, buscando individualizá-los, entendendo suas particularidades”, observa.

“TODOS NASCEMOS COM A CAPACIDADE DE DESENVOLVER A ESPERANÇA”

Falando especificamente sobre o papel da esperança para pacientes oncológicos, a psicóloga Adriane Pedrosa é enfática: “No caso deles, a esperança é um atributo importante, pois substitui a revolta e traz um pouco de aceitação, o que é diferente da resignação. É um sentimento que vai indicar ao paciente que, mesmo diante do caos, é preciso fazer algo para deixar sua condição mais leve, mais suportável. É viver a dor confiando no amor”.

De maneira geral, a psicóloga pontua que essa emoção não é um bem estático, mas que, ao contrário, está em constante movimento. É natural, portanto, ter dias mais esperançosos e outros menos. Para ela, nutrir esse sentido de perspectiva de futuro funciona como uma mola propulsora que estimula o sujeito a ir em busca daquilo em que acredita com a confiança de que algo bom vai surgir. “A esperança nos capacita a fazer algo para sair da dor (física e emocional), mesmo que a gente não tenha controle de quando e como isso vai acontecer. Ela nos traz a convicção de que tudo passa e muda o tempo todo, o que gera uma sensação positiva que contribui para a saúde”, reforça.

Adriane indica que os mecanismos cerebrais que estão por trás dessa emoção são os mesmos relacionados ao bem-estar e ao prazer. “Quando fazemos algo para realizar nossos sonhos, nossos desejos e atingir um propósito de vida que nos dará mais esperança, essa informação chega ao sistema límbico, que por sua vez dispara mensagens para o sistema endócrino e o sistema imunológico, formando uma teia que equilibra o corpo e comunica uma sensação de satisfação”, explica. A estudiosa sublinha que “todos nascemos com a capacidade de desenvolver a esperança, mas, às vezes, a personalidade, os acontecimentos e o ambiente em que estamos inseridos boicotam essa capacidade, exigindo um esforço maior de algo que parece muito fácil para outros”, diz.

Neste sentido, reforça que podemos aprender a ser mais esperançosos. O melhor caminho é buscar em nós mesmos esse atributo, o que pode ser feito por meio de técnicas de autoconhecimento. Adriane acredita que o gesto de nutrir sentimentos de esperança também pode ser estimulado por iniciativas pequenas. “Podemos praticar atitudes que deixarão o nosso dia melhor, sem esperar que isso venha do outro ou de circunstâncias alheias. Podemos passar a sorrir mais e ser mais cordiais, deixando de culpar tudo e todos por nossas insatisfações”, avalia.

Construção pela fé. Psicólogo e professor do Keene State College, em New Hampshire, nos Estados Unidos, Anthony Scioli é um estudioso da esperança. Ele acredita que essa emoção é construída a partir da fé, em um sentido não necessariamente religioso, e contribui para a capacidade de resiliência. Para ele, o comportamento esperançoso não estará sempre ligado ao êxito – isto é, mesmo diante de um “fracasso”, é possível que se mantenha a esperança de que as coisas vão se acertar.

Era da ansiedade. Alguns pensadores consideram que vivemos, atualmente, em uma sociedade guiada por um excesso de estímulo positivo, de forma que os indivíduos creem que o sucesso depende apenas do seu esforço individual, o que vai reverberar em transtornos psiquiátricos, como a ansiedade, que é classificada, de forma simplista, como o medo do amanhã. Para a psicóloga Adriane Pedrosa, a esperança é uma barreira a tais distúrbios.

Esperança equilibrista. “O ser humano tem muita necessidade de controle. Talvez pela falsa sensação de que poderá controlar aquilo que mais teme: a morte. E, quando percebe que algo fugiu do controle, cresce a sensação de ansiedade que é diretamente proporcional à necessidade de controle. O sentimento de esperança vem como um apaziguador, porque traz a sensação de que, mesmo sem controle, nem tudo está perdido, pois a esperança é algo que não se nomeia, não se controla, simplesmente se acredita, independentemente de tempo e condições. É a sensação de crença em algo que vai além da nossa capacidade”, avalia Adriane.

PESQUISAS INVESTIGAM ESPERANÇA EM PACIENTES ONCOLÓGICOS

Apresentada em 2017, a tese de doutorado de Ariana Nogueira, da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, investigou e mapeou fatores de influência e o nível de esperança de parentes de mulheres que enfrentavam o câncer de mama. A pesquisadora identificou que o tipo de relação parece interferir, sendo que parceiros divorciados tinham menos esperança em relação à cura do que aqueles que estavam casados com as pacientes. Além disso, pessoas que possuíam emprego ou eram aposentadas também demonstraram nutrir melhor perspectiva de futuro do que aquelas sem fonte de renda.

Tais dados reforçam como essa emoção está ligada a uma série de fatores, não sendo apenas uma capacidade inata. A autora conclui que “a enfermagem possui um papel importante no apoio a familiares de mulheres com câncer de mama e no desenvolvimento de estratégias que evidenciem suas forças e recursos, para promover a esperança e evitar a desesperança”.

Já um artigo publicado pela “Revista da Escola de Enfermagem da USP”, em 2016, avaliou quais eram os principais fatores preditores da esperança entre mulheres com câncer de mama durante o tratamento quimioterápico. As autoras constataram que, dentre as variáveis analisadas, a dor apresentou-se como o principal fator preditor da esperança, sendo que o sofrimento físico reduzia os níveis de esperança em 2,199 vezes em relação a pacientes que não apresentavam dor.

 

Fonte: Jornal O Tempo  
Por Alex Bessas