Qual o papel do homem no tratamento da mulher com câncer de mama?

O anúncio dos comissários de bordo de um avião é claro: “Em caso de despressurização da cabine, máscaras de oxigênio cairão automaticamente. Puxe uma das máscaras, coloque-a sobre o nariz e a boca ajustando o elástico em volta da cabeça e respire normalmente. Depois, se preciso, auxilie a pessoa ao seu lado”. Apesar da frase não ser atribuída a nenhum grande pensador, foi exatamente nela que o profissional de marketing Fábio Correa, de 46 anos, se apoiou para enfrentar uma turbulência que estava por vir.

Fábio é esposo de Fernanda Poli, paciente que entre setembro de 2019 e janeiro de 2020 passou por um tratamento de câncer de mama. É também o pai do Miguel, de seis anos, e da Maitê de dois anos. Neste Dia Mundial do Combate ao Câncer, com a tranquilidade após o ótimo resultado do tratamento da Fernanda, ele traz a perspectiva de como o companheiro enfrenta – com as armas que têm – um diagnóstico tão delicado como o de um câncer de mama.

A médica de Fernanda e vice-líder do Centro de Referência em Tumores da Mama do A.C.Camargo Cancer Center, Solange Moraes Sanches, explica que não só a paciente fica doente, mas todos os seus entes mais próximos, uma vez que o tratamento desarranja toda a dinâmica do casal e da família.

“O companheiro tem um papel imprescindível. Ele vai ser a pessoa que estará em todas as fases, desde o diagnóstico. Muitas vezes, até assumindo um protagonismo de mostrar que essa mulher é muito mais do que uma mama, do que um cabelo. É importante que a paciente se sinta amada, admirada e aceita. O companheiro é quem pode dar o suporte e o reforço na autoestima e na confiança que ela precisa para enfrentar todo o tratamento”, comenta Dra. Solange.

Inspirado pelo autocuidado da própria esposa, Fábio olhou para si. Ele precisou se cuidar para assumir o seu novo papel e ser a fortaleza que a família necessitava. Caía da cama todos os dias: Das 5 às 7 horas da manhã, manteve uma rotina fixa de meditações, exercícios e estudos. “Eram duas horas que precisava para mim, para manter a cabeça no lugar. Foi imprescindível para que tudo funcionasse”, relembra Fábio.

Para ele, ser o apoio de uma paciente com câncer pode ser uma tarefa pesada, mas é possível encarar com positividade e energia. “O apoio do Fábio e da minha família foram essenciais para que me colocassem para cima. Meu companheiro me ajudou a manter os pensamentos e a energia positiva. Seu apoio foi e continua sendo incrível”, conta Fernanda, que hoje leva vida normal e vê essa fase como concluída em sua vida.

Conheça, em detalhes, como foi todo esse processo sob o olhar do Fábio.

Relato

Fábio Correa, 46 anos, pai do Miguel e da Maitê e marido de Fernanda Poli, paciente que passou por um tratamento de câncer de mama no A.C.Camargo Cancer Center. Fábio também é profissional de marketing e trabalha numa multinacional em São Paulo-SP.

A descoberta

A Fernanda é uma pessoa que sempre se cuidou muito. Mantém tudo em dia e, inclusive, sempre me cobrou a fazer o mesmo pela minha saúde. Da mesma forma é criteriosa com os nossos filhos, o Miguel de seis anos e a Maitê de dois anos.

Nessa rotina de cuidados e auto avaliações, um dia ela notou que tinha algo estranho na mama, durante o banho. Ela comentou comigo e eu também apalpei e percebi que tinha um caroço grande.

Eu sou uma pessoa muito positiva, tento evitar ficar muito preocupado e ansioso. Mas é claro que a preocupação veio à tona. Desde início, o meu posicionamento foi de estar junto e dar prioridade número 0 para averiguar essa situação. Não no sentido de apavorar, e sim de estar unido e não pensar no pior.

Os primeiros exames não apontaram nada. Eu logo pensei: “Está vendo, não era nada”. Mas a Fernanda teve um sexto sentido e decidiu se aprofundar. Já nesse momento parece que eu já comecei a preparar a mente. Passei a pensar mais no assunto, nas crianças, em como deixá-las tranquilas e dar toda a assistência. Enquanto não vinha o diagnóstico, estava bem tranquilo.

Tudo aconteceu muito rápido. Com o avanço da investigação, a biópsia indicou que o nódulo era um câncer. Quando veio a notícia nós ficamos bastante preocupados. A Fernanda, como não poderia ser diferente, ficou abatida com a notícia. Eu, obviamente, também. Mas evitei me abater e veio muito forte o impulso de apoiar a minha mulher. Sempre me posicionei fortemente do lado dela para tudo o que viesse. Quis deixá-la tranquila em relação à casa, às crianças e que poderia contar comigo. Essa atitude me acompanhou até o fim do tratamento.

 

Fernanda Poli, Fábio Correa e os filhos Miguel e Maitê (Foto: Acervo Pessoal )

Códigos entre o casal

No momento em que conversamos sobre o diagnóstico, estávamos em casa com as crianças. A Fernanda tinha ido ao médico pegar os resultados.
Por conta dos nossos filhos, aprendemos a tomar muito cuidado com as palavras, a conversar sobre coisas sérias nos momentos certos. Já tínhamos criado essa sensibilidade. Temos os nossos códigos e sempre combinamos muito o jogo antes de falarmos, mesmo estando todos dentro de casa.

Um ponto importante para qualquer família é justamente ter a sensibilidade com o ambiente doméstico. Como as crianças estão percebendo o que está acontecendo. Se estão ligadas, se não estão, se a gente conversa e em qual momento. Por que tem assuntos que devem ficar conosco para poupá-los. Saber como lidar com isso foi um ponto crucial, ainda mais depois com a rotina de médicos e bateria de exames.

Ao mesmo tempo em que não queríamos assustar especialmente o nosso filho mais velho, o Miguel, também não tínhamos como esconder que algo estava acontecendo. Sabia que existia uma frequência de exames e médicos, mas não necessariamente a doença em si.

Rotinas e tratamento

Ao longo do tratamento da Fernanda, a reorganização da rotina da casa foi grande e totalmente baseada nos exames e nas necessidades de saúde dela. Eu passei a fazer mais home office para ficar com as crianças. Tivemos a ajuda da minha sogra também. Para dizer a verdade, a parte de adaptar a agenda do nosso cotidiano foi a mais fácil.

Mas com a nova dinâmica, eu também acabei intensificando algumas atitudes pessoais. Para cuidar da minha cabeça e do espírito, eu me impus a continuar arrumando um tempo para cuidar de mim. É como a instrução do avião: colocar a máscara de oxigênio primeiro em você para depois cuidar de quem está ao lado. Veio muito isso na minha cabeça. Eu tinha que cuidar primeiro da minha mente e corpo para conseguir manter energia e tocar o restante do dia. Também queria conseguir dar o apoio psicológico para a minha mulher. Isso foi imprescindível para que tudo funcionasse.

Essa experiência inclusive me fez estudar mais sobre psicologia, comportamento humano, padrões mentais positivos e percepção sobre a vida. Busquei assuntos que pudessem nos ajudar. Eu tinha muitas conversas com a Fernanda em paralelo. Cuidar da mente dela era uma das minhas preocupações. Acho que consegui ajudá-la a manter o pensamento positivo e a manter uma energia boa na nossa casa. Sabia que esse papel seria muito importante e foi nessa direção que eu caminhei.

Sobre reservar um tempo para mim, já vinha com essa prática antes mesmo da doença. Após o diagnóstico intensifiquei. Criei uma rotina para mim antes do café da manhã. Então a partir das 5 horas da manhã, eu dedicava pelo menos 30 minutos para fazer uma meditação, outros 30 minutos para correr e depois mais 30 para ler um livro. Os últimos 30 minutos eu reservava para algum projeto pessoal. Tinha esses quatro momentos antes de começar o dia e as demais tarefas às 7h da manhã.

Quando corro consigo fazer uma conexão mais forte de corpo e mente. Penso de forma muito mais clara. Com o tempo, comecei a também a visualizar coisas que queria que acontecesse, entre elas a cura da minha mulher.

Tudo isso ia dividindo sempre com a Fernanda. Queria que ela estivesse na mesma energia. Construímos uma nova energia na casa. Apesar dos altos e baixos, com as crianças essa nossa energia sempre se manteve alta. Mantivemos as brincadeiras, as saídas com os dois. Tentando equilibrar o máximo possível.

Posso dizer que passamos por alguns momentos delicados ao longo do tratamento. Um deles foi após a primeira quimioterapia, quando a Fernanda passou muito mal. A resistência dela foi lá embaixo, tive que levá-la ao hospital. Lá tivemos a notícia de que seria preciso ficar uma semana internada. Ela ficou muito preocupada com todo o senso de responsabilidade com os filhos, com a casa. Mesmo assim, mantive minha rotina de cuidado, orações e visualizações. E ela também.

A recuperação

Encaramos desde o início que quimioterapia era algo bom. Era um remédio que ia curá-la, limpando o seu organismo. E era um alívio poder receber aquele remédio.
Estava previsto que todo o tratamento da Fernanda envolveria oito sessões de químio e poderia finalizar com a cirurgia da mama. Mas eu mentalizei que seria necessária a metade dessas sessões e sem a cirurgia. Quando ela estava para fazer a quinta sessão, fomos juntos a uma consulta com a Dra. Solange Sanches, no A.C.Camargo. Lá ela disse que os exames mostravam que a Fernanda estava sem evidência de qualquer doença e que não faria a cirurgia. Nesse dia foi fantástico. Saímos super leves, contentes, com um sentimento vitória muito bom. Contamos para toda família.

O legal é que a Fernanda nunca ficou se martirizando. Pelo contrário, ficava feliz por estar evoluindo com o tratamento. E eu me mantive apoiando, entendendo os momentos dela também. Suas questões femininas, de cuidados pessoais, de como ia se sentir como mulher. Sempre fiquei muito de olho, para ser sensível e medir as minhas palavras.

Por segurança, foi indicada mais uma sessão de quimioterapia como reforço e depois fez retirada dos ovários de forma preventiva. Ela continua fazendo uma compensação hormonal, mas leva uma vida normal hoje.

E a nossa linha mestra continuou até hoje: positividade, visualizações e energia boa dentro de casa.

Fernanda Polo e Fábio Correa (Foto: Acervo Pessoal )

 

Relação do casal

A gente já tinha uma proximidade muito grande por conta dos cuidados com os nossos filhos. Mas com a experiência do enfrentamento do câncer, aumentamos ainda mais o respeito um pelo outro. E a entender os momentos um do outro.

Por conta das necessidades do tratamento, a gente acabou se afastando para depois se aproximar mais. Sabendo entender esse afastamento, muitas vezes físico, percebo agora que ele nos uniu. Sinto que o vínculo e amor entre nós foi aumentado muitas vezes nos últimos meses.
Hoje nos sentimos ainda mais próximos. Com uma intimidade diferente, sabe. Por entender e respeitar mais os momentos de cada um. Quando temos nossos momentos, eles têm uma força maior. Nosso relacionamento acabou sendo elevado a um próximo nível, com certeza.

O que passamos foi um momento muito delicado, desafiador, mas conseguimos convertê-lo em força. Tenho certeza absoluta de que partilhamos agora uma nova missão, de ajudar quem passa por uma situação semelhante. A Fernanda já apoiou várias pessoas, conversando, esclarecendo, falando sobre o assunto. Eu também quero colaborar da melhor forma e seguir compartilhando a nossa experiência. Como pode perceber, eu gosto muito de falar (risos).

 

FONTE: GQ