Mitos e verdades sobre o câncer de mama e novidades no tratamento

A Revista Marie Claire preparou um dossiê sobre câncer de mama: mitos e verdades, prevenção, leis de proteção ao paciente e novidades sobre a cirurgia de reconstrução, com entrevista do Dr Antonio Luiz Frasson, presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia.

 

Confira:

 

Tipo de câncer mais comum entre as mulheres no mundo e no Brasil, depois do câncer de pele não melanoma, o câncer de mamaresponde por cerca de 25% dos casos novos a cada ano. Especificamente no Brasil, esse percentual é um pouco mais elevado e chega a 28,1%. O Outubro Rosa levanta questões e alerta sobre a doença. Marie Claire conversou com Antonio Luiz Frasson, Presidente da Sociedade Brasileira de Mastologia, e tirou as principais dúvidas sobre o tema.

 

Confira:

Marie Claire: Qual é a prevenção correta para o câncer de mama?
Antonio Luiz Frasson: A prevenção não deve focar apenas nos fatores de risco associados ao câncer de mama, mas também nos fatores de proteção. Alguns fatores que aumentam o risco para desenvolver a doença, como obesidade na pós-menopausa, exposição à radiação em altas doses, exposição a pesticidas, terapias de reposição hormonal, sedentarismo, alcoolismo e tabagismo são passíveis de intervenção; outros fatores como sexo feminino, avanço da idade, início da menstruação antes dos 12 anos, menopausa tardia, gravidez após 35 anos, história familiar para câncer de ovário ou de mama, alta densidade mamária e mutações genéticas (BRCA1, BRCA2, PALB B2 e outros genes importantes ) não podem ser modificados. Considerando os fatores passíveis de intervenção, é possível prevenir o câncer mantendo peso saudável, dieta balanceada, prática de atividade física, além de não fumar e não ingerir bebidas alcoólicas em excesso. Para mulheres na menopausa, é aconselhável fazer reposição hormonal apenas quando necessário, sob orientação médica. No caso de haver história familiar para câncer de mama ou ovário, o que pode e deve ser feito é uma investigação para identificar a possível presença de uma predisposição genética hereditária e, com base nesta avaliação, tomar decisões sobre intervenções redutoras de risco. Estima-se que por meio da alimentação, nutrição e atividade física é possível reduzir em até 28% o risco de se desenvolver a doença.

 

Marie Claire: A paciente deve ir anualmente ao mastologista ou a ginecologista já é suficiente para fazer os exames preventivos?
ALF: A Sociedade Brasileira de Mastologia recomenda que a mulher faça uma consulta ao mastologista uma vez por ano, além de realizar a mamografia também anualmente, sobretudo as mulheres a partir dos 40 anos. A consulta ao ginecologista para realizar os demais exames preventivos é igualmente importante. O diagnostico precoce ainda é a melhor forma de evitar os efeitos devastadores da doença com tratamentos agressivos.  Identificar o tumor precocemente significa aumentar as chances de cura e fazer tratamentos menos agressivos.

 

Marie Claire: Os próximos passos e possibilidades após o diagnóstico.

 

ALF: No momento em que se recebe o diagnóstico do câncer de mama, imediatamente a mulher tem a sensação de impotência diante de uma doença que, há poucos anos atrás, era praticamente uma sentença de morte. No entanto, com os avanços atuais nos métodos de rastreio, o diagnóstico de tumores pequenos permite altos índices de cura, cirurgias menos mutilantes, com excelentes resultados estéticos, assim como a descoberta a cada dia de tratamentos complementares mais eficientes que estão modificando o curso desta doença, antes devastadora, agora cada vez mais curável.
O apoio da família e dos amigos são fundamentais e excelentes coadjuvantes ao tratamento, assim como a procura por profissionais especializados no tratamento, neste caso o médico mastologista. Este saberá indicar a sequência ideal para tratar cada tipo de câncer. Cada vez mais o tratamento é individualizado de acordo com o perfil da paciente e tipo de tumor. O mastologista decidirá o tipo de cirurgia, a melhor maneira do tratamento com bons resultados estéticos (o que hoje chama-se oncoplástia), e se será necessário realizar quimioterapia ou hormonioterapia prévios ao procedimento cirúrgico. O mastologista também indicará outros profissionais envolvidos no tratamento do câncer, como oncologista clínico, radio-oncologista, fisioterapeuta, nutricionista e psicólogo, que são fundamentais para melhorar a recuperação e restabelecer a qualidade de vida da paciente.

 

Marie Claire: Mitos e verdades. O que pode provocar o câncer?

 

ALF: – Anticoncepcionais – MITO – Apesar de estudos relatarem aumentos ínfimos de risco para câncer de mama com o uso de anticoncepcionais orais com alta dosagem hormonal, estudos recentes com novas gerações desses medicamentos não comprovaram a associação entre o seu uso e o câncer de mama. Pesquisas sobre pacientes portadoras de mutação BRCA1 e/ou 2 também não apresentaram consenso de que essas pacientes possuam aumento do risco para câncer de mama pelo uso de anticoncepcionais.
– Uso de desodorantes – MITO – O câncer tem sua origem em uma mutação do DNA celular herdada ou adquirida por fatores ambientais. Nenhum tipo de desodorante tem potencial de causar modificação no DNA, muito menos o uso constante de sutiã. O que pode acontecer com o uso de determinados desodorantes são fenômenos dermatológicos como alergias, irritações ou foliculites, sendo indicado descontinuar o uso.
– Silicone – MITO – As próteses de silicone produzidas com a finalidade de uso médico não causam câncer de mama, podendo ser utilizadas com segurança tanto em pacientes que desejam cirurgia estética quanto naquelas com história ou presença de patologia mamária precoce.
– Reposição hormonal – VERDADE – Vários estudos demonstraram um pequeno risco aumentado para câncer de mama associado com terapia hormonal após a menopausa, principalmente após o quinto ano de uso. A terapia hormonal inclui terapia isolada de estrogênios e terapia combinada de estrogênio + progesterona. A terapia combinada apresenta um risco maior do que a que tem somente estrogênio. Outro efeito indesejado da terapia hormonal é o aumento da densidade mamária, que pode exigir exames complementares à mamografia (ultrassom ou ressonância magnética). É preciso discutir com seu médico os riscos e benefícios do seu uso para os sintomas da menopausa, devendo sempre levar em consideração outros potenciais fatores de risco associados ao câncer de mama, como a história familiar. Se possível, sua utilização não deve ser muito longa (acima de cinco anos).
– Gravidez – MITO – A amamentação representa fator de proteção para o desenvolvimento da doença, especialmente quando ocorre entre os 20 e 30 anos.
– Tabagismo – VERDADE – Pesquisas recentes levantam a possibilidade de que o fumo (tabagismo passivo e ativo) pode estar associado com um aumento do risco para câncer de mama, especialmente entre as mulheres na pré-menopausa. Este risco está associado com início precoce do tabagismo, maior duração e/ou maior quantidade de cigarros consumidos.
– Álcool – VERDADE – O consumo de álcool, mesmo em quantidades moderadas, está claramente associado ao aumento do risco para desenvolver câncer de mama de maneira proporcional à quantidade ingerida. Esse aumento do risco foi observado quando consumidos em quantidade superior a 10 gramas diários, o que corresponde a cerca de 1 cálice de vinho tinto cheio, 1 lata de cerveja ou uma dose de uísque. O mecanismo pelo qual o álcool aumenta esse risco é incerto, o mais provável é que decorra de aumento dos níveis de estrogênio e androgênios circulantes. Deve-se ressaltar que o aumento no risco ocorre em mulheres que ingerem álcool diariamente.
– Genética – VERDADE – Hereditariedade é fator de risco para casos de câncer de mama, mas não o principal fator de risco. Estudos comprovam que apenas 5% a 10% dos casos têm em sua base uma composição genética familiar. Testes genéticos podem ser realizados em mulheres com alto risco de mutações associadas ao câncer de mama para ajudar a decidir o melhor tratamento. Esses testes não estão disponíveis no sistema público de saúde.

 

Marie Claire: Quais as novidades sobre a cirurgia de reconstrução mamaria?

 

ALF: Mais antigamente, toda mulher que precisava retirar a mama por conta do câncer de mama precisava aprender a viver sem uma ou as duas mamas. Poucas eram as pacientes que conseguiam colocar um implante ou fazer uma reconstrução mamaria no ato da cirurgia. Já o médico, era visto como o profissional que retirava o tumor, mas não reconstruía a mama imediatamente. Felizmente, este cenário mudou ao longo dos últimos anos, e a partir de 2012 a mudança passou a ser maior também no sistema publico. . O governo federal sancionou a Lei Nº 12.802/2013, que garante às mulheres mastectomizadas o direito de ter suas mamas reconstruídas no mesmo ato cirúrgico.
Ainda é baixo o número de cirurgias reparadoras imediatas no sistema publico,  mas o cenário começa a mudar lentamente, já que existe uma falta de infraestrutura do Estado de um modo geral. A Sociedade Brasileira de Mastologia entende que a reconstrução mamária faz parte do tratamento, já que afeta não só a estética e a sexualidade da mulher, mas, essencialmente, sua autoestima. Por isso, a entidade vem desenvolvendo ações que buscam diminuir a fila de mulheres que aguardam no Sistema Único de Saúde (SUS), promovendo treinamento de cirurgiões mastologistas com cirurgias oncoplásticas em cursos de educação continuada. Dentro deste contexto, mais de 500 mulheres já foram beneficiadas.
Outra novidade é que reduziu o número de mastectomias e esvaziamentos axilares, assim como aumentaram as cirurgias conservadoras e reconstruções com implantes. Isso significa que as pacientes terão menos complicações e uma melhor qualidade de vida, pois estão sendo submetidas a tratamentos menos agressivos e menos mutilantes.

 

Marie Claire: Quais são as leis criadas para as mulheres que têm a doença, mas que não são cumpridas?

 

ALF: 1 – Acesso à Mamografia a partir dos 40 anos
A Lei 11.664/08 garantia a toda mulher a partir dos 40 anos a realização anual do exame. No entanto, uma portaria, através do Ministério da Saúde, modificou a idade do acesso à mamografia de 40 para 50 anos em diante, além de limitar o exame para a mamografia unilateral, ou seja, somente em uma das mamas. Essa portaria alterou a lei de 2009 que dava direito a todas as mulheres e causou um mal estar generalizado. Diante disso, através de um projeto de Decreto de Lei, já aprovado em março de 2015, as entidades do setor, inclusive a SBM, conseguiram o apoio de deputados para voltar ao termo original da lei. O projeto, que agora está no Senado, ao ser sancionado, torna o acesso ao exame possível de novo a partir dos 40 anos de idade.
2 – Lei dos 60 dias
Sancionada há três anos, a lei nº 12.732/12 é ampla e contempla todo o paciente diagnosticado com câncer. No caso do câncer de mama, a lei prevê que todo paciente inicie o tratamento no prazo máximo de 60 dias após o diagnóstico. Essa medida é determinante para a saúde do paciente. Estudos mostram que as pacientes chegam a levar 90 dias ou mais para iniciar o tratamento, o que resulta na frequência de diagnósticos de tumores avançados – pelo menos de 60% a 70% dos casos, o que não colabora com a redução da mortalidade.
3 – Reconstrução Imediata
A Lei 12.802, sancionada em 24/04/2013, garante as mulheres que se submetem à mastectomia (retirada de uma ou das duas mamas) o direito de ter suas mamas reconstruídas no mesmo ato cirúrgico. A exceção são aquelas cujo quadro clínico não oferece condições para isso, ou seja, caso o estado da paciente ofereça riscos à sua saúde, a reconstrução não será feita imediatamente. Caso contrário, a reconstrução mamária imediata é um direito de cada mulher e precisa ser respeitada. No entanto, um estudo recente realizado pela Rede Goiana de Pesquisa em Mastologia revelou que das 210 mil mulheres que realizaram cirurgias de câncer de mama no Brasil entre 2008 e 2015 pelo SUS, quase 44% (92,5 mil) fizeram cirurgia de mastectomia. Dessas, apenas 18 mil (20%) tiveram suas mamas reconstruídas pelo SUS, um cenário alarmante, pois a maioria das mulheres vive mutilada há anos aguardando pela cirurgia, seja por falta de informação, medo, vergonha ou autoestima baixa.

 

Marie Claire: Como é feito o acesso à informação?

 

ALF: É notório o desconhecimento sobre a importância de se cuidar e, em muitos casos, medo de ir à consulta e receber um diagnóstico indesejado. Isso acaba afastando as mulheres da prevenção e tratamento. Nesse sentido, o comportamento da mulher precisa melhorar. Grande parte não procura acompanhamento médico, outras realizam exames, mas não vão buscar o resultado, e muitas desconhecem inclusive o mastologista, que é o médico responsável pela saúde das mamas . Segundo pesquisadores da Sociedade Brasileira de Mastologia, quanto menos informação as mulheres recebem sobre a prevenção do câncer de mama mais chances elas têm de morrer em consequência da doença. As taxas de mortalidade aumentaram nos estados onde há alto índice de exclusão humana e social e baixo índice de desenvolvimento humano, como é o caso de Rondônia, Tocantins, Santa Catarina, Maranhão, Piauí, Alagoas, Sergipe, Ceará. Já nos estados onde o índice de desenvolvimento humano é alto e a exclusão social é baixa, as taxas diminuíram, como nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraná.
Hoje, a informação acontece nas unidades de saúde e meios de comunicação, mas ainda há muito desconhecimento e informações equivocadas.

 

Marie Claire: Quais os obstáculos para que esse acesso ao atendimento às mulheres com câncer de mama seja mais eficiente?

 

ALF: A falta de acesso no sistema publico  é a principal preocupação e luta da Sociedade Brasileira de Mastologia. As mulheres que necessitam do atendimento pelo SUS encontram dificuldades para identificar onde e como agendar consulta com o mastologista, realizar a mamografia, biópsia e tratamentos, como quimioterapia e radiologia etc. Elas não recebem orientação adequada dos profissionais de saúde e são obrigadas a aguardar pela marcação através de um telefonema do Sistema de Centrais de Regulação (SISREG). Também há a questão de equipamentos quebrados em diversas unidades ou descalibrados e técnicos despreparados para fazer a mamografia.
Dentro deste contexto, os membros da  Sociedade Brasileira de Mastologia se solidarizam com as mulheres que passam por dificuldades enormes na busca de um atendimento qualificado e humanizado, e oferece treinamento constante para seus associados, na busca de uma formação que permita um atendimento ágil, moderno, seguro, e dentro de padrões internacionais de uma assistência com qualidade e eficiência

 

Fonte: Revista Marie Claire